Direitos do Homem x Direitos Fundamentais x Direitos Humanos
Antes de qualquer coisa, é necessário apresentar a diferença entre as expressões "direitos do homem", "direitos fundamentais" e "direitos humanos".
Segundo Mazzuoli, "direitos do homem" diz respeito a uma série de direitos naturais aptos à proteção global do homem e válidos em todos os tempos. Trata-se de direitos que não estão previstos em textos constitucionais ou em tratados de proteção aos direitos humanos. A expressão é, assim, reservada aos direitos que se sabe ter, mas cuja existência se justifica apenas no plano jusnaturalista.
"Direitos fundamentais", por sua vez, refere-se aos direitos da pessoa humana consagrados, em um determinado momento histórico, em um certo Estado. São direitos constitucionalmente protegidos, ou seja, estão positivados em uma determinada ordem jurídica.
José Afonso da Silva enumera diversas expressões que fazem alusão aos direitos fundamentais do homem, a saber: direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades públicas e direitos fundamentais do homem.
O autor assim define direitos fundamentais do homem: é a expressão mais adequada a este estudo, porque, além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas.
Há alguns direitos que estão consagrados em convenções internacionais, mas que ainda não foram reconhecidos e positivados no âmbito interno.
Também pode ocorrer o contrário! É plenamente possível que o ordenamento jurídico interno dê uma proteção superior àquela prevista em tratados internacionais (regionais e globais).
É importante termos cuidado para não confundir direitos fundamentais e garantias fundamentais. Qual seria, afinal, a diferença entre eles?
Os direitos fundamentais são os bens protegidos pela Constituição. É o caso da vida, da liberdade, da propriedade etc. Já as garantias são formas de se protegerem esses bens, ou seja, instrumentos constitucionais. Um exemplo é o habeas corpus, que protege o direito à liberdade de locomoção. Ressalte-se que, para Canotilho, as garantias são também direitos.
As "Gerações" de Direitos
Os direitos fundamentais são tradicionalmente classificados em gerações, o que busca transmitir uma ideia de que eles não surgiram todos em um mesmo momento histórico. Eles foram fruto de uma evolução histórico-social, de conquistas progressivas da humanidade.
Não há consenso na doutrina brasileira acerca do conceito de "gerações de direitos humanos". Porém, a doutrina majoritária reconhece a existência de três gerações de direitos:
- Primeira geração: são os direitos que buscam restringir a ação do Estado sobre o indivíduo, impedindo que aquele se intrometa de forma abusiva na vida privada deste. São, por isso, também chamados liberdades negativas. Valor-fonte: liberdade. Exemplos: direito de propriedade, locomoção, associação.
- Segunda geração: são os direitos que envolvem prestações positivas do Estado aos indivíduos (políticas e serviços públicos). São, por isso, também chamados de liberdades positivas. Valor-fonte: igualdade. Exemplos: direito à educação, saúde, trabalho.
- Terceira geração: são os direitos que não protegem interesses individuais, mas que transcendem a órbita dos indivíduos para alcançar a coletividade (direitos transindividuais ou supraindividuais). Valor-fonte: solidariedade e fraternidade. Exemplos: direito do consumidor, meio ambiente equilibrado, desenvolvimento.
Percebeu como as três primeiras gerações seguem a sequência do lema da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade?
"Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais - realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) - que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade."
Parte da doutrina considera a existência de direitos de quarta geração (globalização: democracia, informação, pluralismo - Paulo Bonavides; ou engenharia genética - Norberto Bobbio) e até de quinta geração (direito à paz).
A expressão "geração de direitos" é criticada, preferindo-se "dimensões de direitos", pois os direitos se acumulam.
Diagrama Simplificado das Gerações/Dimensões dos Direitos Fundamentais
Características dos Direitos Fundamentais
Antes de passarmos ao estudo das características dos Direitos Fundamentais, é importante estudarmos a Teoria dos Status, desenvolvida pelo jurista alemão Georg Jellinek.
- Status Passivo (status subjectionis):
- Indivíduo submetido ao Estado (obrigações, proibições).
- Status Negativo (status libertatis):
- Liberdade perante o Estado, sem interferência (liberdade de expressão).
- Status Positivo (status civitatis):
- Possibilidade de exigir prestações positivas do Estado (direito à educação).
- Status Ativo (status activus civitatis):
- Exercício dos direitos políticos (direito ao voto).
A doutrina aponta as seguintes características para os direitos fundamentais:
- Universalidade: Comuns a todos os seres humanos, respeitadas particularidades.
- Historicidade: Resultam de um processo de afirmação e conquistas progressivas.
- Indivisibilidade: Formam um sistema harmônico e coerente.
- Inalienabilidade: Intransferíveis e inegociáveis, sem conteúdo econômico-patrimonial.
- Imprescritibilidade: Não se perdem com o tempo, sempre exigíveis.
- Irrenunciabilidade: O titular não pode dispor deles, embora possa deixar de exercê-los (admissível autolimitação voluntária em casos concretos).
- Relatividade ou limitabilidade: Não há direitos fundamentais absolutos; são limitáveis por outros direitos.
- Complementaridade: Devem ser interpretados conjuntamente.
- Concorrência: Podem ser exercidos cumulativamente.
- Efetividade: Poderes públicos têm a missão de concretizá-los.
- Proibição do retrocesso (efeito cliquet): Não podem ser enfraquecidos ou suprimidos após instituídos.
A relatividade é, entre todas as características dos direitos fundamentais, a mais cobrada em provas.
Por isso, guarde o seguinte: não há direito fundamental absoluto! Todo direito sempre encontra limites em outros, também protegidos pela Constituição. É por isso que, em caso de conflito entre dois direitos, não haverá o sacrifício total de um em relação ao outro, mas redução proporcional de ambos, buscando-se, com isso, alcançar a finalidade da norma.
Os direitos fundamentais consagrados na CF/88 não podem ser abolidos por emenda à Constituição. Isso decorre do art. 60, § 4º, inciso IV, da CF/88.
E quais são os direitos fundamentais? A doutrina e a jurisprudência reconhecem que eles estão presentes em vários dispositivos da CF/88. Além do rol de direitos e garantias individuais do art. 5º, os demais direitos fundamentais (coletivos, políticos e sociais), bem como os direitos dos contribuintes, são considerados direitos fundamentais e, portanto, insuscetíveis de serem abolidos por mudança na redação da CF/88.
Direitos Fundamentais: Limites e Eficácias
A imposição de limites aos direitos fundamentais decorre da relatividade que estes possuem. Conforme já comentamos, nenhum direito fundamental é absoluto: eles encontram limites em outros direitos consagrados no texto constitucional.
Teorias sobre Limitações
- Teoria Interna (Absoluta): Limites são imanentes ao direito. O núcleo essencial é fixo.
- Teoria Externa (Relativa): Limites são definidos por fatores extrínsecos (colisão, ponderação). O núcleo essencial depende do caso concreto. Adotada no Brasil.
Teoria dos "Limites dos Limites"
Impede a violação do núcleo essencial dos direitos fundamentais pela lei. A lei pode restringir, mas não aniquilar o direito. Base para o controle de constitucionalidade via princípio da proporcionalidade.
Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais
Até o século XX, acreditava-se que os direitos fundamentais se aplicavam apenas às relações entre o indivíduo e o Estado (eficácia vertical). A partir do século XX, surgiu a teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, estendendo sua aplicação também às relações entre particulares.
Teorias sobre a aplicação aos particulares:
- Eficácia Indireta e Mediata: Aplicam-se excepcionalmente, por meio de cláusulas gerais de direito privado. Incompatível com CF/88 (art. 5º, §1º - aplicabilidade imediata).
- Eficácia Direta e Imediata: Incidem diretamente nas relações entre particulares. Prevalece no Brasil (STF).
Eficácia Diagonal: Aplicação em relações assimétricas entre particulares (ex: relações de trabalho).
Os Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988
Os direitos fundamentais estão previstos no Título II da CF/88 (arts. 5º a 17), conhecido como "Catálogo dos direitos fundamentais". Dividem-se em:
- Direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5°).
- Direitos sociais (art. 6° - art. 11).
- Direitos de nacionalidade (art. 12-art. 13).
- Direitos políticos (art. 14 - art. 16).
- Direitos relacionados à existência, organização e participação em partidos políticos (art. 17).
Estas são espécies do gênero "direitos fundamentais".
O rol do Título II não é exaustivo (numerus apertus). Há outros direitos espalhados pela CF/88 (ex: direito ao meio ambiente - art. 225). Os do Título II são "direitos catalogados"; os de fora são "direitos não catalogados".